sexta-feira, 13 de novembro de 2015

BRASILEIROS IDENTIFICAM MAIS AGLOMERADOS ESTELARES NA VIA LÁCTEA

Brasília, 12 de novembro de 2015 – Astrônomos brasileiros identificaram mais 652 aglomerados estelares na Via Láctea, elevando para mais de mil o total revelado pelo grupo desde 2014. A descoberta destes pequenos objetos, com cerca de dez a 20 estrelas cada, contra centenas a até milhares de aglomerados mais maciços, ajuda a reforçar a tese de que nossa galáxia tem um formato espiral com quatro braços principais, e não dois como defendem alguns cientistas.
Segundo Denilso Camargo, líder da pesquisa e hoje professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), os novos aglomerados estão na sua maior parte ainda escondidos nos “casulos” de poeira e gás onde se formaram, e por isso escapam da detecção por sistemas automatizados de busca por objetos do tipo baseados em densidades de estrelas visíveis.
Desta forma, para encontrá-los, ele e seus parceiros Charles Bonatto e Eduardo Bica, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tiveram que analisar “no olho” os arquivos do observatório espacial Wise, da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), que entre 2010 e 2011 escaneou todo céu pelo menos duas vezes na faixa do infravermelho, capaz de penetrar estas barreiras.
“Sabemos que a grande maioria das estrelas se forma em aglomerados, mas estes pequenos grupos logo se dispersam pela galáxia, dificultando sua identificação”, diz Camargo, que também é primeiro autor do artigo que relata a descoberta, para publicação no periódico científico “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society” (MNRAS).
Segundo ele, “achava-se, no entanto, que a maior parte das estrelas se formava em aglomerados maiores, com mais de cem estrelas. Nossas descobertas, porém, mostram que a fração que se forma em grupos estelares pequenos é mais significativa do que se imaginava”.
Mapeamento – Mas, além de revelar os múltiplos berçários estelares de nossa galáxia, os achados, batizados Camargo 447 a Camargo 1098, são uma importante forma de mapear como seria sua estrutura. Isso porque, por estarmos dentro da Via Láctea, não temos como saber como é sua real aparência vista de fora. Assim, os cientistas têm que se basear na observação do formato de outras galáxias espirais como ela, assim como dos objetos visíveis em seu interior. E é aí que a identificação dos novos aglomerados estelares ganha um papel crucial.
As estrelas e seus aglomerados se formam a partir do colapso gravitacional de grandes e frias concentrações de poeira e gás no espaço, as chamadas nuvens moleculares. E como a maior parte deste material está justamente nos braços da galáxia, é de se esperar que a maioria deles se forme nestas estruturas. Desta forma, a localização dos aglomerados revelados por Camargo e seus parceiros serve de indicação sobre onde e quantos braços a Via Láctea teria.
“Os aglomerados que estamos encontrando são muito jovens, então não tiveram muito tempo para ir para muito longe de onde nasceram”, lembra Camargo. “Além disso, os aglomerados são ótimos marcadores de distância pois, como têm muitas estrelas, as incertezas nessas medições ficam menores. Diante disso, as distâncias que estimamos destes mais de mil aglomerados indicam que a maior parte deles está sobre estes braços, e que a Via Láctea tem quatro destas grandes estruturas”, explica.
O astrônomo conta ainda que as descobertas estão ajudando a sanar dúvidas quanto à atividade do braço mais externo de nossa galáxia, que junto com os braços batizados Perseus e Scutum-Centaurus, mais proeminentes e lotados de estrelas, e o Sagittarius-Carina, menos ativo, mas com tanto material quanto os outros, formariam a imagem da Via Láctea com quatro destas estruturas principais.
Neste cenário, o Sol estaria próximo á beira de um braço menor chamado Órion-Cygnus, entre trechos do de Sagittarius-Carina e de Perseus e aproximadamente a dois terços do caminho do braço externo ao núcleo galáctico.
Camargo conta que “a existência deste braço externo era conhecida apenas por sua concentração de gás e achava-se que ele seria muito tênue, com pouca formação de estrelas”. Agora, porém, “descobrimos vários aglomerados que mostram que sim, há uma formação significativa de estrelas neste braço externo, e ajudam a traçá-lo como um braço efetivo”.
Luz - Por fim, a pesquisa também lança nova luz sobre como nossa galáxia gera novas estrelas, assim como a possível origem de alguns dos aglomerados estelares gigantes que vemos nela. Segundo Camargo, a profusão de pequenos aglomerados na Via Láctea sugere uma espécie de “efeito dominó”, com fenômenos como a explosão de supernovas, a ação do vento de estrelas maciças já existentes e o próprio movimento dos braços em sua órbita em torno do núcleo galáctico comprimindo as nuvens de gás e poeira neles, dando início ao seu colapso gravitacional e fragmentação em diversos aglomerados estelares menores, a que chamam de agregados de aglomerados.
“Nossa pesquisa sugere que uma nuvem inteira ou até mesmo um complexo de nuvens podem colapsar quase simultaneamente, dando origem a inúmeros aglomerados próximos entre si”, explica Camargo.
“Desta forma, definimos estes agregados de aglomerados estelares como grupos de aglomerados ligados entre si no espaço e no tempo, formados juntos após o colapso e fragmentação de uma nuvem molecular ou um complexo delas. E como não encontramos agregados de aglomerados velhos, e até mesmo pares são raros, concluímos que ou eles se fundem ou se dispersam. Então, muitos dos aglomerados maciços que vemos hoje podem ter sua origem na fusão destes aglomerados menores”, complementa.
O astrofísico conta que ele e seus parceiros continuam a buscar outros aglomerados nos dados do Wise para refinar ainda mais o seu mapa da real estrutura da Via Láctea. Mas eles estão com foco também em objetos do tipo mais afastados do disco galáctico, como os Camargo 438 e 439.
Localizados a uma distância de cerca de 16 mil anos-luz do plano principal da Via Láctea e caindo balisticamente em direção a ele, estes dois aglomerados tiveram sua descoberta relatada em outro artigo publicado pelo trio de cientistas em fevereiro último no MNRAS.
“Não se esperava que estes objetos pudessem ser encontrados a esta distância do disco da nossa galáxia”, lembra Camargo. “Queremos entender se foram formados por material do disco lançado para fora da Via Láctea por algum fenômeno ou de material vindo do espaço intergaláctico”, completa.
Fonte: O Globo
Ilustração: Nasa/JPL-Caltech/UFRGS – Ilustração mostra o que se acredita ser a aparência básica da Via Láctea vista de algum ponto acima do Polo Norte galáctico, com marcações de alguns dos mais de 400 aglomerados estelares inicialmente descobertos pelos astrônomos brasileiros que ajudam a traçar a existência e localização de seus braços principais e a provável localização do Sol.

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