Da redação
Jornal do SindCT
Dezembro de 2015
Os especialistas José Nivaldo Hinckel, da área de propulsão; Amauri Silva Montes (câmeras); e José Bezerra Pessoa Filho (área térmica de foguetes) expuseram falhas do programa e pediram mudanças. O SindCT realizou no dia 26 de novembro o debate intitulado “Análise e alternativas para o Programa Espacial Brasileiro”, que procurou mobilizar e envolver as comunidades do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA).
O evento teve por objetivo formular um diagnóstico do Programa Espacial Brasileiro (PEB), bem como propor alternativas para que ele volte a ter a importância estratégica que teve no passado. As propostas e análises apresentadas no evento serão sistematizadas e encaminhadas, como subsídio dos profissionais da área, ao Grupo de Trabalho Interministerial do Setor Espacial (GTI-Setor Especial), criado por portaria dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Defesa (MD), no início de outubro (sobre o GTI, leia Jornal do SindCT 41, p.7). Na década de 1980 o PEB viveu seu auge, tanto em termos do número de profissionais que atuavam no setor quanto em termos dos recursos aplicados, em função da chamada Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) — que previa a colocação de um satélite nacional em órbita da Terra, por meio de um foguete igualmente nacional, lançado a partir do território brasileiro.
Atualmente, porém, o PEB enfrenta momentos difíceis, seja em razão da perda constante de servidores nos institutos públicos responsáveis pelas atividades espaciais no país, INPE e DCTA; seja pela carência de projetos e recursos; seja, principalmente, em decorrência da crise de governança do setor espacial, que aponta para a necessidade de um novo Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (SINDAE), composto pelo conjunto dos órgãos responsáveis pela organização e execução das atividades do PEB. Participaram do debate de 26 de novembro, a convite da direção do SindCT, três profissionais do INPE e DCTA que possuem experiência no desenvolvimento de sistemas espaciais: José Nivaldo Hinckel, especialista na área de propulsão; Amauri Silva Montes, especialista em câmeras para uso espacial; e José Bezerra Pessoa Filho, especialista na área térmica de foguetes. A mesa de abertura contou com a presença do coronel Augusto Otero, diretor interino do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e representante do DCTA. “
Agradeço a oportunidade e parabenizo a iniciativa do Sindicato. Precisamos revitalizar os institutos para não viver de passado e construir o futuro. A ideia de criar o GTI é buscar pacificar, por exemplo, os conflitos entre os programas PNAE e PESE, entre tantas outras questões”.
Sérios Problemas
Houve consenso entre os expositores quanto à situação crítica em que se encontra o PEB. Há sérios problemas relacionados à estratégia a ser adotada pelo país na área espacial. Bezerra lembrou que o Plano Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) 2005-2014, por exemplo, documento que consolidou as atividades a serem realizadas pelo país na área espacial no período assinalado, “previa o lançamento de oito satélites nacionais, por meio de lançadores nacionais, no período 2007-2014, mas nenhuma dessas missões se consolidou”.
O Brasil cometeu erros sérios, na avaliação dos expositores, no que diz respeito a algumas ações estratégicas do programa espacial. Foi o caso da participação brasileira na Estação Espacial Internacional (ISS na sigla em inglês), programa da NASA, agência espacial americana, em cooperação com agências espaciais europeias. O episódio drenou os parcos recursos do PEB e o país não conseguiu cumprir a entrega dos itens relativos à sua contrapartida. Restou, ao final, apenas o envio do primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes, à ISS — ainda assim, na qualidade de passageiro da nave russa Soyuz, já que os voos da NASA haviam sido interrompidos após a explosão da nave Columbia em 2003.
Outro erro ainda mais grave, na avaliação dos expositores, foi a decisão de se criar a empresa binacional. Alcantara Cyclone Space (ACS), no âmbito da cooperação entre Brasil e Ucrânia. A joint-venture apoiou-se na justificativa de que haveria um nicho comercial ainda não explorado por outros países: o lançamento de satélites de pequeno a médio porte (até 1.500 kg), em órbitas baixas (até 700 Km). A Ucrânia forneceria seu foguete Cyclone-4, e o Brasil disponibilizaria uma base de lançamento para os foguetes a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão.
O país investiu cerca de R$ 1 bilhão neste projeto, o qual acabou por mostrar- -se totalmente inviável do ponto de vista econômico, e a cooperação foi finalmente interrompida. Hinckel foi taxativo sobre a ACS: “É inexplicável o mito, no Brasil, de que haveria um nicho onde o país pudesse atuar na área espacial com alguma vantagem comparativa em relação aos outros países”.
Tarefa Difícil
Bezerra, por sua vez, informou que existem hoje cerca de 1.300 satélites em operação na órbita da Terra, dos quais 42% pertencem aos EUA, 11% à China e 10% à Rússia, dados que revelam a grande concentração de lançamentos por esses países.
Ele também mostrou que o mercado mundial de foguetes, satélites e serviços baseados no uso do espaço movimentou, só em 2013, US$ 195 bilhões, divididos da seguinte maneira: 61% em serviços baseados em satélites (principalmente telecomunicações), 28% em equipamentos de solo para recepção desses serviços, 8% na fabricação de satélites, e apenas 3% na fabricação de foguetes.
Ou seja: o percentual do montante de recursos do mercado espacial global, empregado especificamente na fabricação dos foguetes, é muito baixo, em que pese ser esta, de todos os sistemas envolvidos, a parte talvez mais complexa e de difícil domínio pelos países. “Estes números mostram que projetar e fabricar foguetes é tarefa difícil, envolve investimentos altíssimos, muito tempo de desenvolvimento, e seu retorno é pequeno se comparado com outros segmentos da área espacial.
No entanto, sem foguete, não se teria como colocar os satélites em órbita, e não haveria os serviços baseados no uso do espaço”, disse Bezerra. Apesar dos erros cometidos, e de o PEB estar vivendo um momento complicado, Bezerra acredita que seu legado é significativo: “Nestas mais de cinco décadas de atividades espaciais o Brasil conseguiu formar duas gerações de técnicos altamente especializados, consolidar instituições e laboratórios, desenvolver satélites e vários de seus subsistemas, qualificar uma família de foguetes de sondagem, fazer dois voos do VLS-1, criar dois centros de lançamento, estabelecer um parque industrial respeitável, criar vários cursos de graduação e pós-graduação dedicados à área espacial, bem como prestar muitos serviços à sociedade baseados no uso do espaço; isso definitivamente não é de se desprezar, apesar de reconhecer que ainda temos muito o que avançar”.
Já para Montes “o PEB só faz sentido quando possibilita, de forma eficaz, o domínio da alta tecnologia, a qual é essencial para o país, tanto sob o ponto de vista de desenvolvimento, como de soberania e defesa”. A fabricação de satélites e especialmente de foguetes é uma atividade de alto custo e risco, que requer força de trabalho altamente qualificada e longo tempo de maturação das tecnologias utilizadas, o que a tornaria, do ponto de vista estritamente econômico, praticamente inviável no estágio de desenvolvimento em que o Brasil se encontra.
“A conclusão é que, se o objetivo for apenas ter acesso aos serviços baseados no uso do espaço, como telecomunicações, observação da Terra, etc., o melhor a se fazer, do ponto de vista econômico, seria adquirir estes serviços junto aos países que já detêm esta tecnologia”, avaliou Montes. “No entanto, o país precisa entender que o que está em jogo é algo muito maior: a capacidade de acesso autônomo ao espaço, de forma a produzir suas próprias informações e serviços, além de dominar todas as tecnologias estratégicas envolvidas nesta empreitada”. Coordenador-geral da Engenharia e Tecnologia Espacial (ETE-INPE), Montes criticou o formato do PNAE.
“É um documento bonito, mas não tem metas e objetivos”. Reconheceu que existe um problema de governança, mas notou que apesar disso houve avanços robustos, em especial com relação aos CBERS-3 e 4. “Embora haja uma divisão de tarefas com os chineses, nós sabemos praticamente tudo. Apenas não fizemos ainda o Subsistema de Controle, mas por falta de oportunidade”. E acrescentou, provocativamente: “E por que fazemos com os chineses se dominamos a tecnologia?
É uma forma de garantir a continuidade, porque se atrasar algo, os chineses vão ao Itamaraty [Ministério das Relações Exteriores] cobrar satisfação”.
Decisões Claras
O futuro do PEB depende de o governo adotar decisões claras quanto ao que se quer de seu programa espacial, advertiu Hinkel. “A decisão de se ter um programa espacial autônomo não é simples, pois requer atuação de longo prazo, capacidade técnica e gerencial para lidar com atividades complexas, infraestrutura dedicada e de alto custo, além de ritmo de produção e operação capaz de utilizar racionalmente estes recursos”, observou.
“Diferentemente do que muitos podem imaginar, monitoramento de desmatamento da Amazônia, por si só, não justifica nem sustenta um programa espacial. Isto é apenas uma parte. Teria que haver satélites de comunicação e ter autonomia em órbitas baixa, polar e geoestacionária”. A declaração causou polêmica no evento, sendo rebatida pela pesquisadora Thelma Krug, responsável pela Assessoria de Cooperação Internacional do INPE e recém eleita vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), grupo ligado à Organização das Nações Unidas (ONU).
Thelma destacou que o trabalho desenvolvido pelo Brasil na área de monitoramento e controle de áreas desmatadas na Amazônia Legal é elogiado no mundo inteiro, e vem abrindo portas para que o país seja ouvido e respeitado nos fóruns internacionais que se dedicam ao estudo do aquecimento global. Ainda segundo a pesquisadora, o país já vem recebendo verbas consideráveis para financiar projetos ligados ao meio ambiente, e estas verbas podem contribuir para o financiamento de missões na área espacial.
Por fim, foi lembrada no debate a maneira nada transparente com que os trabalhos do GTI-Setor Espacial vêm sendo conduzidos pelas direções do INPE e DCTA, uma vez que nem mesmo a Portaria que criou este colegiado tem sido respeitada. Até o fechamento desta edição, passados dois meses da publicação da Portaria, os nomes para compor o grupo não foram oficializados. Além disso, sabe-se que representantes das direções dos dois institutos vêm se reunindo de maneira informal desde antes da publicação da Portaria, debatendo assuntos que terão impacto direto na vida dos profissionais que atuam no setor. No entanto, a comunidade do INPE e DCTA está sendo excluída dessas discussões.
“O MAPA DO CAMINHO PARA O PEB” PROPOSTO POR NIVALDO HINCKEL
* Ritmo de lançamento de 2 a 4 foguetes de sondagem/ano
* VLS/VLM: conduzi-los em caráter tecnológico até o lançamento orbital
- primeiro voo orbital em 4 anos
- 4 a 8 missões em 10 anos
- dispor de um foguete operacional, com propulsão líquida e capacidade de até 3 t. em órbita baixa dentro de 12 anos
- migração para um foguete maior, com capacidade de 6-8 t, em órbitas baixa e geoestacionária, num prazo de 20 anos
* Nacionalização progressiva da tecnologia utilizada
* Estabelecer cooperações na área espacial com países da América do Sul
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 43ª - dezembro de 2015
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